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Tema

Gestão de Recursos Hídricos no Brasil

Disciplina

Hidrologia Básica

Hidrologia Básica

Gestão de Recursos Hídricos no Brasil

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Introdução

Olá!

Segundo a Carta de Salvador (ABRH, 1987):

(...) a água, pelo importante papel que desempenha no processo de desenvolvimento econômico e social, é um bem econômico de expressivo valor, sujeito a conflitos entre seus usuários potenciais.

Com base neste conceito, as oportunidades de aproveitamento de recursos hídricos para múltiplas finalidades devem ser valorizadas, seja para abastecimento urbano e industrial, controle ambiental, irrigação, geração de energia elétrica, navegação, piscicultura, recreação e outras finalidades, em um contexto de desenvolvimento regional integrado e contemplando vários objetivos, principalmente de natureza econômica, social e ambiental.

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Os instrumentos que irão permitir e viabilizar o aproveitamento com usos múltiplos, com o consequente rateio de custos e institucionalização de decisões colegiadas, deverão ser desenvolvidos e submetidos por meio de um adequado disciplinamento jurídico.

Veja o papel da Lei nº 9.433 de 08/01/1997.

Bom estudo!

A Lei nº 9.433, de 08/01/1997, que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, é o resultado de um longo processo de avaliação de experiências de gestão de recursos hídricos e de formulação de propostas para a melhoria dessa gestão em nosso país.

A Lei nº 9.433 representou um marco histórico de grande significado e importância para aqueles que trabalham com a gestão de recursos hídricos.

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Problematização

Assista ao vídeo disponível e saiba mais sobre o desafio a ser respondido ao final da aula: Ao serem solicitadas novas outorgas de uso da água do rio, para fins agrícolas e/ou industriais, como pode ser revolvida a questão da outorga de usos conflitantes?

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A Lei das Águas

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A Constituição Federal de 1988 estabelece que:

(...) são bens da União os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.

Estabelece, ainda, como "bens dos estados, as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União".

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O Código de Águas é o documento mais antigo no país relacionado com a gestão de recursos hídricos. Foi estabelecido pelo Decreto Federal nº 24.643, de 10/07/1934, o qual se constituiu na primeira legislação básica brasileira sobre as águas. Na época, foi considerado um documento avançado pelos juristas, mas necessita de atualização, principalmente para ser ajustado à Constituição Federal de 1988, à Lei nº 9.433, de 08/01/1997, e de regulamentação de muitos de seus aspectos.

O referido código assegurava o uso gratuito de qualquer curso d’água ou nascente para as primeiras necessidades da vida, permitindo a todos usar de quaisquer águas públicas, conformando-se com os regulamentos administrativos. Impede a derivação de águas públicas para uso na agricultura, indústria e higiene, sem a existência de concessão, no caso de utilidade pública e de autorização nos outros casos. Em qualquer hipótese, dá preferência à derivação para abastecimento das populações.

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O Código de Águas estabelece que:

  • A concessão ou autorização devem ser feitas sem prejuízo da navegação, salvo nos casos de uso para as primeiras necessidades da vida ou previstos em lei especial.
  • É proibido conspurcar ou contaminar as águas que não se consome, com prejuízo de terceiros.
  • Os trabalhos para a salubridade das águas serão realizados à custa dos infratores que, além da responsabilidade criminal, se houver, responderão pelas perdas e danos que causarem e por multas que lhes forem impostas pelos regulamentos administrativos.

Esse dispositivo é visto como precursor do princípio “usuário-pagador”, no que diz respeito ao uso para diluição e transporte de poluentes.

Colocar ou deixar cair sujeira sobre; sujar, manchar.

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A Lei nº 9.433, de 08/01/1997, instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos e criou o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, que regulamenta o inciso XIX do art. 21 da Constituição Federal.

A Política definida pela Lei nº 9.433 é organizada em: fundamentos, objetivos, diretrizes de ação e instrumentos.

  • FUNDAMENTOS
    Os fundamentos são os alicerces sobre os quais a lei está estruturada.
  • OBJETIVOS
    Os objetivos são as metas a serem atingidas com sua aplicação.
  • DIRETRIZES
    As diretrizes de ação e os instrumentos constituem os meios para, com base nos fundamentos, e a partir deles, atingirem-se os objetivos fixados.
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A lei estabelece os seguintes fundamentos que representam o ponto de partida para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos:

  • A água é um bem de domínio público.
  • A água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico.
  • Em situações de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o consumo humano e a dessedentação de animais.
  • A gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas.
  • A bacia hidrográfica é a unidade territorial para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
  • A gestão dos recursos hídricos deve ser descentralizada e contar com a participação do poder público, dos usuários e das comunidades.

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Assista ao vídeo disponível e saiba mais sobre a Lei das Águas.

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Objetivos da Lei nº 9.433/1997

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Os objetivos indicam onde se quer chegar. Veja quais são os objetivos da Lei nº 9.433/1997:

  • Assegurar à atual e às futuras gerações a necessária disponibilidade de água, em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos.
  • A utilização racional e integrada dos recursos hídricos, incluindo o transporte aquaviário, com vistas ao desenvolvimento sustentável.
  • A preservação e a defesa contra eventos hidrológicos críticos de origem natural ou decorrentes do uso inadequado dos recursos naturais.

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As diretrizes de ação indicam o caminho a percorrer. São procedimentos a serem permanentemente observados na gestão dos recursos hídricos. A lei estabelece as seguintes diretrizes gerais:

  • A gestão sistemática dos recursos hídricos, sem dissociação dos aspectos de quantidade e qualidade.
  • A adequação da gestão de recursos hídricos às diversidades físicas, bióticas, demográficas, econômicas, sociais e culturais das diversas regiões do país.
  • A integração da gestão de recursos hídricos com a gestão ambiental.
  • A articulação do planejamento de recursos hídricos com o dos setores usuários e com os planejamentos regional, estadual e nacional.
  • A articulação da gestão de recursos hídricos com a do uso do solo.
  • A integração da gestão das bacias hidrográficas com a dos sistemas estuarinos e zonas costeiras.

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Os instrumentos são os recursos a serem utilizados para se trilhar o caminho balizado pelas diretrizes. Dentre eles, destacam-se:

  • Os Planos de Recursos Hídricos.
  • A outorga de direitos de uso, como meio de assegurar e controlar os direitos de uso desses recursos.
  • A cobrança pelo uso da água.
  • Enquadramento dos corpos de água em classes, segundo os usos preponderantes da água.
  • A compensação a municípios.
  • Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos.

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Instrumentos para Gerenciamento dos Recursos Hídricos

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Os Planos de Recursos Hídricos visam fundamentar e orientar a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e o gerenciamento dos recursos hídricos a longo prazo, a partir de um planejamento compatível com o período de implantação de seus programas e projetos.

O plano deve incluir o diagnóstico da situação atual dos recursos hídricos, análises e estudos prospectivos da dinâmica socioeconômica, identificação de conflitos potenciais, metas de racionalização de uso, projetos a serem implantados, diretrizes e critérios para a cobrança pelo uso dos recursos hídricos, entre outras, além de medidas que visem à proteção dos recursos hídricos.

Quais os critérios?

Serão elaborados por bacia hidrográfica, por Estado e para o país e se constituirão em elementos do Plano Nacional de Recursos Hídricos, a ser regulamentado.

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O enquadramento dos cursos de água em objetivos de qualidade visa:

  • Assegurar às águas qualidade compatível com os usos mais exigentes a que forem destinadas.
  • Diminuir os custos de combate à poluição das águas, mediante ações preventivas permanentes.

As classes de corpos de água estão definidas pela legislação ambiental, a Resolução CONAMA nº 357 de 17/03/2005.

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Os objetivos da cobrança são:

  • Reconhecer a água como bem econômico e dar ao usuário uma indicação de seu real valor.
  • Incentivar a racionalização do uso da água.
  • Obter recursos financeiros para o financiamento dos programas e intervenções contemplados nos planos de recursos hídricos.

Serão cobrados os usos de recursos hídricos sujeitos à outorga. Os valores arrecadados com a cobrança pelo uso de recursos hídricos serão aplicados prioritariamente na bacia hidrográfica em que foram gerados.

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O Sistema Nacional de Informações sobre Recursos Hídricos é um sistema de coleta, tratamento, armazenamento e recuperação de informações sobre recursos hídricos, bem como sobre fatores intervenientes em sua gestão, com dados gerados pelos órgãos integrantes do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.

São princípios básicos para a sua organização:

  • Descentralização da obtenção e produção de dados e informações.
  • Coordenação unificada do sistema.
  • Acesso aos dados e informações garantido a toda a sociedade.

Seus objetivos estão assim definidos: reunir, dar consistência e divulgar os dados e informações sobre a situação qualitativa e quantitativa dos recursos hídricos no Brasil, atualizar permanentemente as informações sobre disponibilidade e demanda de recursos hídricos em todo o território nacional e fornecer subsídios para a elaboração dos Planos de Recursos Hídricos.

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Com relação aos direitos de uso de recursos hídricos, estão sujeitos à outorga pelo poder público os seguintes usos de recursos hídricos:

  • Derivação ou captação de parcela da água existente em um corpo de água para consumo final, inclusive abastecimento público ou insumo de processo produtivo.
  • Extração de água de aquífero subterrâneo para consumo final ou insumo de processo produtivo.
  • Lançamento de esgotos em corpo de água e demais resíduos líquidos ou gasosos, tratados ou não, com o fim de sua diluição, transporte ou disposição final.
  • Aproveitamento dos potenciais hidrelétricos.
  • Outros usos que alterem o regime, a quantidade ou a qualidade da água existente
    em um corpo de água.

A outorga será efetivada por ato da autoridade competente do Poder Executivo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal. Determina que o Poder Executivo Federal se articule previamente com os dos estados e o do Distrito Federal para conceder outorgas de direitos de uso de recursos hídricos em bacias hidrográficas com águas de domínio federal e estadual.

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O Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos, instituído pela Lei das Águas, tem os seguintes objetivos: coordenar a gestão integrada das águas, arbitrar administrativamente os conflitos criados com os recursos hídricos, implementar a Política Nacional de Recursos Hídricos, planejar, regular e controlar o uso, a preservação e a recuperação dos recursos hídricos, além de promover a cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Quais conselhos e órgãos integram o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos?

  • Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
  • Conselhos de Recursos Hídricos dos Estados e do Distrito Federal.
  • Comitês de Bacia Hidrográfica.
  • Órgãos dos poderes públicos federal, estaduais e municipais, cujas competências se relacionem com a gestão de recursos hídricos.
  • Agências de Água.

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O sistema criado se sobrepõe, mas não se opõe, à estrutura administrativa existente. A lei mantém as competências dos organismos existentes e potencializa sua atuação. Ele cria somente os organismos necessários à execução das novas atividades, as quais, por terem base territorial diversa da divisão político-administrativa do país, não poderiam ser exercidas pelos organismos existentes, que têm base municipal, estadual ou federal.

As Agências de Água têm como área de atuação uma ou mais bacias hidrográficas e suas competências primordiais são o planejamento dos recursos hídricos da bacia e a cobrança pelo uso da água.

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Os Comitês de Bacias Hidrográficas têm como atribuições principais:

  • Promover o debate das questões relacionadas aos recursos hídricos da bacia e articular a atuação das entidades intervenientes.
  • Arbitrar, em primeira instância, os conflitos relacionados a recursos hídricos.
  • Aprovar e acompanhar a execução do Plano de Recursos Hídricos da bacia.
  • Propor ao Conselho Nacional e aos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamento de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga, de acordo com o domínio destes.
  • Estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados.
  • Estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.

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Os comitês de rios de domínio federal serão compostos por representantes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios cujos territórios se situem, no todo ou em parte, na respectiva bacia hidrográfica. Também participam os usuários de recursos hídricos e entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia.

É limitada a representação dos poderes executivos da União, estados, Distrito Federal e municípios à metade do total de membros.

Nos Comitês de bacias de rios fronteiriços e transfronteiriços, a representação da União deverá incluir o Ministério das Relações Exteriores e, naqueles cujos territórios abranjam terras indígenas, representantes da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e das comunidades indígenas.

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A Agência de Água terá a área de atuação de um ou mais Comitês de Bacia Hidrográfica e a sua criação dependerá da autorização do Conselho Nacional de Recursos Hídricos, ou dos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos, mediante solicitação de um ou mais Comitês de Bacia Hidrográfica.

As Agências de Água serão as responsáveis pela cobrança pelo uso de recursos hídricos em sua jurisdição e exercerão a função de Secretaria Executiva do respectivo Comitê de Bacia Hidrográfica. A criação dessas agências está condicionada, em cada bacia, à prévia existência do Comitê de Bacia Hidrográfica e à viabilidade financeira, que poderá ser assegurada pela cobrança pelo uso de recursos hídricos.

Confira no PDF a seguir as competências principais da Agência de Água.

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Para os usos em que há apropriação do recurso “água”, no tempo ou no espaço, há diferentes princípios suscetíveis de determinar a regulação do processo de distribuição do recurso entre distintos usos e usuários. A "apropriação" do recurso água ocorre, normalmente, para satisfazer a uma função técnica em que o ser humano costuma ser o primeiro beneficiário.

Desse modo, os princípios que determinam a apropriação desse recurso foram historicamente estabelecidos, levando-se em conta não só fatores naturais, como o clima e a topografia, mas, principalmente, fatores de caráter social e cultural.

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De uma forma bastante esquemática, pode-se considerar que a apropriação do recurso "água" se processa, basicamente, a partir de três modelos distintos:

  • Bem coletivo
    O bem pertence à coletividade. A água não tem "dono", sendo sua eventual apropriação regulada pelas autoridades socialmente instituídas.
  • Propriedade conjunta terra/água
    A propriedade da terra determina a propriedade da água. São donos da água os donos das terras onde se encontram as nascentes e os cursos de água, ou das terras cujo subsolo abriga reservas de água subterrânea. No caso de curso de água servindo de limite entre propriedades, considera-se uma propriedade compartilhada entre ribeirinhos.
  • Primeiro usuário
    A propriedade da água é do primeiro usuário. Independentemente da propriedade da terra, o uso da água é garantido àquele que chegar "primeiro" (doutrina do first in use, first in right).
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Em graus variados, em função dos países, esses modelos subsistem até hoje, respaldados por leis e costumes. No oeste americano, por exemplo, o clima mais árido e a vontade política de promover, no século XIX, uma rápida ocupação da terra induziram a adoção da doutrina de primeiro usuário. Desse modo, é comum, hoje em dia, o fato de aglomerações urbanas comprarem "direitos de água" (water rights) de agricultores e de velhas minas de ouro.

No Brasil, predomina o princípio de "bem coletivo". A Constituição de 1988 estabelece que todas as águas são públicas, sendo que, em função da localização do manancial, elas são consideradas bens do domínio da União ou dos estados. Pela Constituição de 1988, deixam de existir, desse modo, as águas comuns, municipais e particulares, cuja existência era prevista no Código de Águas de 1934.

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Assista ao vídeo disponível e aprofunde seu conhecimento sobre os temas tratados até aqui.

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Situação da Gestão de Recursos Hídricos no Brasil

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Segundo estudos da OCDE (2015), o Brasil detém 12% dos recursos de água doce do mundo, o que torna a água um recurso comparativamente abundante no país. No entanto, os recursos hídricos são desigualmente distribuídos no território: enquanto os estados nordestinos são predominantemente semiáridos, a região amazônica tem abundância de água.

No mesmo estudo, o qual analisa os aspectos de governança da gestão de recursos hídricos, a governança “multinível” é particularmente crítica em uma federação descentralizada, onde a gestão dos recursos hídricos está sob responsabilidade dos 27 estados e do Distrito Federal, e enraizada em uma história de democracia participativa, com base em mais de 200 comitês de bacias hidrográficas.

Essa distribuição desigual não é incomum em países de grandes dimensões como o Brasil, mas representa desafios para a gestão dos recursos hídricos, hoje e no futuro.

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Recentemente, a alocação da água ganhou impulso com a escassez de água. A concorrência entre diferentes usuários (por exemplo, agricultura, indústria e domicílios) requer mecanismos adequados para o gerenciamento de soluções de compromisso (trade-offs), especialmente porque a energia hidrelétrica é a principal fonte de energia no Brasil (87% da geração de eletricidade vêm de fontes renováveis).

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Enquanto as outorgas de água nos rios federais são concedidas pela Agência Nacional de Águas (ANA), as outorgas para os rios estaduais são emitidas pelos órgãos gestores do Estado. Como as prioridades podem diferir entre as entidades federais, estaduais e de bacia, a pergunta que se coloca é como tornar as decisões desses níveis administrativos mutuamente compatíveis e efetivas.

A governança e a alocação da água estão, portanto, intimamente ligadas, já que os regimes mais eficientes de alocação da água exigem ao mesmo tempo uma maior coordenação entre os níveis federal, estadual e de bacia, e o fortalecimento da capacidade em nível subnacional.

E o Brasil nisso tudo?

O Brasil alcançou progressos notáveis na gestão dos recursos hídricos desde a adoção da Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos em 1997 e criação da ANA, em 2000. Essas conquistas definiram as bases de uma governança multinível, integrada e localizada dos recursos hídricos, em contraste com o modelo de desenvolvimento centralizado e tecnocrático do regime militar. Mesmo assim, a reforma do setor de recursos hídricos ainda não colheu plenamente os benefícios econômicos, sociais e ambientais esperados.

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As lacunas da governança multinível, examinadas com base no Arcabouço de Governança Multinível da OCDE, ainda dificultam a implementação efetiva da gestão dos recursos hídricos no Brasil. Veja o que diz o documento “Governança dos Recursos Hídricos no Brasil” (OCDE, 2015).

Os diversos planos de recursos hídricos, em níveis nacional, estadual, local e de bacia, são mal coordenados e não chegam a ser colocados em prática, por falta de financiamento ou limitada capacidade de acompanhamento e execução. Exemplo: eles não estabelecem prioridades ou critérios claros para definir os recursos hídricos disponíveis e orientar as decisões de alocação para o desenvolvimento da energia hidrelétrica, extensão da irrigação e uso doméstico, entre outros.

A incompatibilidade entre as fronteiras administrativas municipais, estaduais e federais e os limites hidrológicos levanta a questão da escala funcional adequada. Exemplo: é difícil aplicar normas de qualidade da água e regras de captação nos locais onde dois ou mais órgãos de gestão dos recursos hídricos são responsáveis por trechos diferentes de um rio.

O isolamento setorial dos ministérios e órgãos públicos ainda dificulta a coerência política entre os setores de recursos hídricos, agricultura, energia, licenciamento ambiental, saneamento e uso do solo. O fato de que os municípios estão, em geral, ausentes dos comitês de bacias hidrográficas, e que o Conselho Nacional de Recursos Hídricos não cumpre plenamente o seu papel, são fatores que reforçam essa situação.

Onde existem, as cobranças pelo uso da água são baixas e raramente se baseiam em estudos de acessibilidade ou em avaliação de impacto; essas cobranças são consideradas finanças públicas e, portanto, estão sujeitas às regras e procedimentos rígidos de gastos, muitas vezes onerosos para os estados. Isso impede o seu uso como instrumento de política de promoção do uso racional dos recursos hídricos e de indicação da escassez.

A disponibilidade de dados e informações sobre recursos hídricos acessíveis e de boa qualidade varia entre os estados, prejudicando a efetiva tomada de decisão em termos de quem recebe água, onde e quando.

Os Comitês de Bacias Hidrográficas possuem poderes deliberativos fortes, mas têm limitada capacidade de implementação. Em muitos casos, eles essencialmente desempenham um papel de defensores, enquanto que na maioria dos países da OCDE o seu papel é construir o consenso sobre as prioridades e o planejamento para orientar a tomada de decisões.

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Alguns problemas atuais ligados à gestão de RH no Brasil

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Qual a situação atual dos Recursos Hídricos no Brasil?

Veremos a seguir, por meio do estudo dos seguintes itens:

  • Água doce superficial.
  • Qualidade das águas.
  • Irrigação.
  • Saneamento.
  • Navegação.
  • Comitês de Bacia.
  • Planos de Recursos Hídricos.

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Apesar de o Brasil possuir 12% da água doce disponível do planeta, a distribuição é desigual, pois 81% estão concentrados na Região Hidrográfica Amazônica, onde está o menor contingente populacional, cerca de 5% da população brasileira e a menor demanda. Nas regiões hidrográficas banhadas pelo Oceano Atlântico, que concentram 45,5% da população do país, estão disponíveis apenas 2,7% dos recursos hídricos do Brasil.

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Segundo a ANA (2015), por meio da análise do Índice de Qualidade da Água (IQA), considerando os pontos de monitoramento no campo e nas cidades, dos 1.039 pontos no meio rural, 82% têm qualidade considerada boa, 9% ótima, 6% ruim e 3% regular. Para os 530 pontos em cidades, a qualidade foi considerada boa em 48% deles, regular em 23%, ruim em 21%, ótima em 4% e péssima em 4%.

O IQA considera nove parâmetros físico-químicos e biológicos das águas, como: Oxigênio dissolvido, Nitrogênio total, Fósforo total, temperatura da água, entre outros.

Quanto pior a qualidade, maior deve ser o tratamento para que a água possa ser usada para finalidades mais exigentes, como o abastecimento humano.

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A área irrigada, projetada para 2012, foi de 5,8 milhões de hectares, cerca de 20% do potencial nacional de 29,6 milhões de hectares.

Houve um aumento significativo da agricultura irrigada no Brasil nas últimas décadas, crescendo sempre a taxas superiores às do crescimento da área plantada total. Em regiões com déficit hídrico, a irrigação assume papel primordial no desenvolvimento dos arranjos produtivos.

Embora aumente o uso da água, os investimentos no setor resultam em aumento substancial da produtividade e do valor da produção, diminuindo a pressão pela incorporação de novas áreas para cultivo. As regiões do polo de irrigação Petrolina-Juazeiro (PE/BA) e o oeste baiano, assim como a área de rizicultura (cultivo de arroz) no sul do país, se destacam como áreas de alta demanda para irrigação no Brasil.

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Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), em oito regiões hidrográficas o índice de atendimento urbano com rede de água, em 2012, foi superior a 90%. Em apenas quatro regiões, o índice ficou abaixo dos 90%: Atlântico Nordeste Oriental (88,1%), Amazônica (76,4%), Tocantins-Araguaia (68,5%) e Atlântico Nordeste Ocidental (68,5%).

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Ainda segundo o SNIS, quatro regiões hidrográficas apresentaram índices de coleta de esgoto acima de 60%: Paraná, Atlântico Leste, São Francisco e Atlântico Sudeste, conhecidas pelo grande contingente populacional, pelo elevado desenvolvimento econômico e por um parque industrial significativo. Por sua vez, somente 58,2% do esgoto coletado na Região Hidrográfica Atlântico Sudeste recebem tratamento. Nas regiões Atlântico Leste, do Paraná e do São Francisco, este índice fica em torno de 84%, 72% e 63% respectivamente.

A despeito de apresentar um índice de atendimento urbano com rede de água acima de 90%, a RH do Parnaíba segue atrás das outras regiões, no que tange a infraestrutura de esgotamento sanitário. Seu índice de coleta de esgoto é o menor em relação às demais: 17,9%. Esse índice mostrou-se reduzido nas três regiões hidrográficas cujo atendimento urbano com rede de água encontra-se abaixo dos 80%: Atlântico Nordeste Ocidental (28%), Amazônica (25%) e Tocantins-Araguaia (25%). Os índices de tratamento de esgoto encontram-se em torno dos 28% na primeira destas regiões, 78% na segunda e 63% na terceira.

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Conforme dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), o Brasil possui mais de 20 mil km de vias interiores economicamente navegáveis, sendo que 80% delas estão no Complexo Solimões-Amazonas (rede hidroviária que inclui, além dos Rios Solimões e Amazonas, outros como o Negro, o Madeira e o Tapajós).

Segundo o Anuário Estatístico Aquaviário referente a 2013, o transporte de cargas em vias navegáveis interiores chegou a aproximadamente 31 milhões de toneladas, sendo cerca de 35% desta carga transportados pelas vias da RH Amazônica, 14% da RH Atlântico Sul, 12% da RH Tocantins-Araguaia, 19% da RH Paraguai, 20% da RH Paraná e 0,1% da RH São Francisco.

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Em 2013, foram criados 20 novos comitês de bacias na Bahia, Ceará, Goiás, Mato Grosso, Paraná, Rio Grande do Norte e Santa Catarina. Com isso, o Brasil passou dos 29 em 1997, ano da publicação da Lei das Águas, para 194 comitês. Estes colegiados funcionam como “parlamentos das águas” e atuam na promoção dos usos múltiplos das águas nas bacias onde atuam e na negociação de conflitos pelo uso das águas. Os comitês instalados atuam sobre uma área equivalente a 30% do território brasileiro.

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Três planos de recursos hídricos em bacias interestaduais foram iniciados em 2013: do rio Paraguai, do rio Grande e do Paranapanema. Os planos até 2012 cobrem 51% do território nacional. Entre os planos para bacias estaduais, destacam-se os planos diretores de recursos hídricos mineiros: do Alto rio Grande, do rio das Mortes, dos afluentes mineiros do rio Urucuia e do entorno do reservatório de Furnas. No Paraná, também foi finalizado o Plano das Bacias do Alto Iguaçu e dos Afluentes do Alto Ribeira.

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Assista ao vídeo disponível e saiba mais sobre os assuntos abordados até aqui.

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Revendo a problematização

Reveja o vídeo disponível e responda ao desafio apresentado: Ao serem solicitadas novas outorgas de uso da água do rio, para fins agrícolas e/ou industriais, como pode ser revolvida a questão da outorga de usos conflitantes?

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Quem solicitou a outorga primeiro, tem prioridade.

O direito de uso é negociado com os donos das terras onde a água é explorada.

A negociação de conflitos é realizada no âmbito do Comitê de Bacias.

Essa alternativa poderia ter alguma base legal se valesse no Brasil o direito de propriedade sobre a água, algo que ainda ocorre no Oeste dos EUA. No Brasil, predomina o princípio de "bem coletivo", e a Constituição de 1988 estabelece que todas as águas são públicas sendo que, em função da localização do manancial, elas são consideradas bens do domínio da União ou dos estados.

Pela Constituição de 1988, deixam de existir as águas municipais e particulares, cuja existência era prevista no Código de Águas de 1934. As águas são públicas, ou seja, são de domínio da União ou dos estados.

Conflitos de uso devem ser resolvidos, em primeira instância, por meio de negociações entre usuários e gestores dentro do comitê de bacia. No caso de limitações de quantidade e qualidade, alguns usos serão restringidos, sempre respeitando os usos prioritários de manutenção da vida e dessentação de animais. Uma bacia bem gerida deve prever recursos financeiros para promover ações para aumento da oferta de água e uso racional do recurso hídrico.

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Síntese

Nesta aula, pudemos conhecer a Política Nacional de Recursos Hídricos, a qual tem como ponto central a chamada “Lei das Águas” (Lei Federal nº 9433 de 08/01/1997).

A Lei das Águas tem vários aspectos positivos ao promover uma radical descentralização de poder, criando os chamados “Parlamentos das Águas”, representados pelos Comitês de Bacias.

De acordo com o que prevê a lei, as discussões em torno da gestão de recursos hídricos de uma bacia hidrográfica transpõem os limites políticos dos municípios atingidos. Assim, a administração dos conflitos tem uma maior chance de serem resolvidos em uma base mais realista, tanto no que diz respeito à arrecadação de fundos para investimentos na própria bacia (cobrança pelo uso da água) como para fiscalizar os eventuais desvios de uso dos recursos hídricos (poluição da água, por exemplo) e também os conflitos relativos à disputa de outorgas para uso da água para várias finalidades.

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Assista ao vídeo disponível e saiba mais sobre os assuntos abordados nesta aula.

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Referências

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ABRH – Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Carta de Salvador. 1987. Disponível em: http://www.abrh.org.br/SGCv3/index.php?P1=2&P2=115&P3=117. Acesso em: 17 mai. 2016.

ANA – Agência Nacional de Águas. Conjuntura 2015. Disponível em: http://www3.snirh.gov.br/portal/snirh/snirh-1/conjuntura-dos-recursos-hidricos/conjuntura_informe_2015.pdf/view. Acesso em: 17 mai. 2016.

BARTH, F.T. Aspectos Institucionais do Gerenciamento de Recursos Hídricos, in: Águas Doces no Brasil, Rebouças, A. C. Braga, B.P.F. e Tundisi, J.G. editores, Cap. 17, Editora Escrituras, 1999.

OECD, Governança dos Recursos Hídricos no Brasil, OECD Publishing, Paris. 2015. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1787/9789264238169-pt. Acesso em: 17 mai. 2016.

SOARES, Stela de Almeida. Gestão de Recursos Hídricos. Curitiba: InterSaberes, 2015.

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